Todo dia a gente faz a mesma coisa. Levantar às 7h. Horário bom, tem gente que levanta muito antes. Mas todo dia é levantar às 7h. Já tentei levantar antes, mas trabalhar até às 20h ou 21h no dia anterior, não tem me permitido. Aceitei que é às 7h. Todo dia o mesmo ritual: a casa, a organização e limpeza mínimas.
Às vezes, o exercício. Às vezes, começar o trabalho às 8h. Mas não sem antes dar remédio para o Dorian, meu filho, meu gato. Sempre direto na goela, sem tempo para ele respirar. Não é digestivo, nem para mim. Mas é o remédio que fez ele ficar bem e que vai fazer ele viver até os 30. Quase não dá para imaginar viver sem ele, então todo o dia é o mesmo dia.
Uma vez assisti um filme romântico, cujo final mostrava o que seria o segredo da vida: repetição e atenção. Se todo dia é igual, se todo dia não há escapatória, tem que se aprender a observar na repetição. Nessa época, pensei: quanto irrealismo.
Aí corta para a minha vida de hoje. Todo dia é mais um dia igual. O café é uma panqueca de aveia. Continua sendo maravilhoso comer, como na primeira vez. O café preto é melhor dia sim e dia não, o estômago não aceita bem. Outra coisa que ele não aceita bem é comer rápido, mas a ansiedade às vezes não deixa fazer devagar. Cozinhar todo dia, meio-dia e em alguns dias, meio-dia e à noite. Limpar todos os vegetais. Cuidar e contar as proteínas, que sempre estão um pouco insuficientes por causa da carne que eu não como. Respirar. Lembrar de respirar com cuidado. Pegar sol. Sentir o sol. Ver o Dorian ali, por perto. Sentir as duas melhores coisas da vida ao mesmo tempo: gato e sol. O meu filho e o sol na minha pele.
Trabalhar de novo. Mais um pouco. Lembrar de divulgar o meu trabalho, porque trabalho para mim mesma. Mas é gostoso: eu posso ser criativa e eu mesma hoje. Tenho que fazer todo dia, mas pelo menos é por mim e sobre mim, sobre o que eu acredito.
Dar aula. Falar inglês. Uma língua que não é a minha cinco dias na semana. Ensinar outras pessoas a serem um pouco outra versão de si: o sonho delas. Repetir, repetir, repetir.
Beijar, chegar perto, ter tempo para construir o dia a dia de uma relação na era pós-contemporânea. Cuidar e ser cuidada de verdade e não fingir estar cuidando. Quase uma rebeldia nos dias de hoje. Dar tempo para que as coisas sejam construídas. Como foi todo o restante até aqui.
Guardar dinheiro. Dia sim, dia não. Até ver crescer o montante para o meu pedaço de terra. O dinheiro que vem de cinco dias de trabalho, toda semana. Dias que trabalho até às 20h ou 21h. Cansa, mas é bom. É trabalho. É com gente que eu gosto, gente de coração bom. A maioria mulher buscando o seu melhor como eu. Trabalhar muito cinco dias, para escrever histórias nos outros dois dias da semana.
Trabalhar para escrever. E enquanto escreve, estar trabalhando, afinal é trabalho, apesar de muita gente não acreditar e seguir não acreditando.
Ter dificuldade. Brigar com as palavras e com as próprias ideias… Mas para acabar sempre mais apaixonada pelos meus próprios personagens. Se um dia virá livro, não sei, mas toda semana faço sempre igual. A maior vitória não é mais o livro um dia publicado, é estar arranjando, pela primeira vez na vida, tempo para ser e escrever. É não ouvir as vozes manipuladoras: as de fora e as de dentro.
Todo o dia fazer tudo sempre igual. E quem diria… ser feliz com isso.